Acendeu-se
um pequeno ecrã de uma televisão. Naquela escuridão, a recém-nascida
voz de um apresentador começou a encher a sala de estar com sons
e luzes intermitentes. Em poucos segundos, ouve-se um click.
Mudara de canal com o telecomando. Ali, deitado em cima do sofá
como uma foca a apanhar sol, começara a sua habitual viagem pelo
mundo do zapping. A frequência de mudança de imagens aumentava,
mostrando filmes, concursos, animais em extinção a procriar,
pessoas a procriar, praias paradisíacas, campos verdes cheios de
gado, videoclips.Uma grande variedade de informação inútil,
acessível aos seus dedos agitados, que o ia alimentando de uma
feliz passividade. Naquele espaço de reunião familiar, aquele
sujeito obeso perdia-se num mundo hipnotizador, produzido para
vender, atrair e amolecer. Com a pequena caixa de plástico,
todos os seus problemas pareciam distantes. Os sons das ruas
afogavam-se na publicidade. O seu trabalho, estendido na sua
secretária, perdia importância. A televisão trazia-lhe o doce
conforto de ignorância.
Na
carpete cheia de nódoas e migalhas esquecidas encontrava-se uma
folha dobrada. Era a conta da electricidade. Conta essa que no
dia anterior causara alguma discussão quando a sua mulher se
apercebera de que, depois de pagas todas as despesas do mês,
ficavam com tão pouco dinheiro que nem poderiam comprar novos
jogos de computador para os seus dois pequenos. Aproximava-se um
mês de contenção orçamental e isso significava que não
teriam novos brinquedos para entreter os miúdos enquanto viam
televisão ou iam ao cinema. A conta dobrada no chão significava
um importante passo para o amadurecimento dos seus filhos, um de
dez anos e outro de oito.
Aquele
corpo cheio de pregas com os olhos esbugalhados a apontar para a
televisão, outrora um homem, educou os seus filhos num mundo
prematuro. Ele próprio, resultado do amor entre um casal de
intelectuais, evoluíra de tal forma a ser o anúncio de uma
futura geração de pessoas que encaram o mal e o bem da vida
demasiado novos. Os media explicam-lhes o que é genocídio através
dos desenhos animados, o que é o sexo através da pornografia, o
poder da aceitação através dos reality shows, o valor do
dinheiro através dos filmes. Aprendem a viver pelas palavras
de professores treinados para seduzir e roubar, mentir e
corromper. Aprendem a viver para reproduzirem a sua mentalidade
nas gerações vindouras e acentuarem o ciclo de destruição da
natureza humana.
Autor: Miguel Tolda
|